Diário de um Surdo – 017: Ainda falta escuta

E no meio de tanta correria, o silêncio tenha falado mais alto do que eu, e tenho me afastado, ficando calado e distante. Afinal o cansaço bate.
Mas hoje, volto aqui. Porque tem coisa que não dá pra engolir calado.

A gente comemorou 23 anos da Língua Brasileira de Sinais, na última semana, dia 22/04. Sim, comemorou. Mas será que tem tanto assim pra comemorar?

Não me entenda mal: reconhecer Libras como língua oficial foi um passo gigante. Mas e o resto do caminho? Porque, sinceramente, ainda falta escuta. Ainda falta empatia. Ainda falta humanidade.

Ser surdo, hoje, no Brasil, ainda é viver entre paredes invisíveis. Em filas onde ninguém sabe se comunicar. Em atendimentos que não atendem. Em espaços que não te enxergam. E isso não é só falta de estrutura. É falta de vontade. De consciência. De responsabilidade.

E, pra ser bem direto: cansa. Cansa demais. Porque não é só uma luta por acessibilidade, por inclusão. É uma luta contra a indiferença. Contra a burocracia. Contra o descaso.

Às vezes, a gente sente que as pessoas ganham a gente pelo cansaço. E isso dói. Porque a luta é diária, é pesada — principalmente dentro dos grandes ambientes de trabalho, onde tudo depende de alguém “lá de cima” comprar a ideia. E se não tem alguém que encabece, a ideia morre. Não por falta de valor. Mas por falta de apoio. De coragem. De visão.

E hoje, eu confesso: estou num estado triste. Decepcionado.
É um sentimento pesado que tenho carregado no peito. Porque por mais que eu lute, por mais que eu tente construir pontes, parece que elas desabam antes mesmo de alguém atravessar.

E mesmo assim, eu sigo. Porque acredito. Porque, mesmo cansado, eu sei que tem alguém precisando de um gesto, de uma palavra, de uma mudança — por menor que seja.

Quando falo de responsabilidade, falo de verdade. Falo de ESG com E maiúsculo de empatia. Falo de empresas que não só assinam compromissos, mas cumprem. De serviços públicos que acolhem, que adaptam, que se importam. Porque inclusão não é favor. É direito.

E se tem uma coisa que eu aprendi nesses anos de caminhada é que a mudança começa quando alguém decide não se calar. Hoje, eu escrevo porque me recuso a aceitar que o tempo passe e nada mude. Porque a Libras merece mais do que homenagens uma vez por ano. Ela merece presença. Merece política. Merece gente comprometida com gente.

E se você leu até aqui, fica meu convite: escute. Não com os ouvidos, mas com o coração. Porque ser surdo nunca foi sinônimo de silêncio. A surdez fala. A questão é: você está disposto a ouvir?

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