Como muitos já sabem, o primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2017 teve questões de humanidades com carga de leitura e exigiu dos candidatos conhecimentos de história, geografia, filosofia, sociologia e até atualidades.
A polêmica da vez foi o tema da redação, que foi “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.
A prova teve quatro textos motivadores, sendo que um deles incluiu dados sobre o número de alunos surdos na educação básica entre 2010 e 2016. Outro apresentou um trecho da Constituição Federal afirmando que todos têm direito à educação, com já falamos aqui. Um terceiro mostrou aos candidatos a lei de 2002, que determinou que a Língua brasileira de sinais (Libras) se tornasse a segunda língua oficial do Brasil.
O tema causou polêmica, mas eu não entendi o motivo, já que a redação do Enem costuma funcionar como forma de conscientizar as pessoas sobre o tema escolhido. Ou seja, as famílias, país afora, discutem o assunto que caiu na prova. É o que aconteceu com a questão da persistência da violência contra a mulher, por exemplo.
Mas pelo que vi, e fiquei indignado é que para muitos não é tão importante o fato de que os surdos terem vencidos barreiras, e lutaram para terem acesso a educação, onde até certo período, nem direito de ir a escola tinham já que eram considerados “incapazes’, ou de sofrerem o bullying e o preconceito, ou serem ignorados pela família e a sociedade e ainda hoje seguirem excluídos na escola e mercado de trabalho, mesmo que tenham a capacidade e formação educacional, necessária ou mesmo tendo um excelente rendimento como pessoa ouvinte, assunto que também já discutimos aqui.
Não podemos negar que houve avanços nas leis inclusivas no Brasil, e que estamos caminhando para um país “igual para todos”. Sim, as leis existem, e até impulsionou as matrículas dos estudantes com deficiências, por exemplo, que praticamente dobraram. Porém muita coisa está longe de se tornar realidade, sair do papel, já que construir uma educação ou mercado de trabalho inclusivo vai muito além da mera criação de vagas.
Um exemplo disso, e é que eu passei e ainda passo por isso, é que ocorre com todos surdos: embora muitos tenham passado a frequentar a escola regular, ou trabalhar numa empresa que respeita a lei de cotas, é comum que os professores, empregadores e a maioria dos estudantes e colegas de trabalho não dominem a Língua de Sinais, o que coloca em risco a socialização. Não falar a língua do outro é uma forma velada de desprezo e rejeição: o surdo até está no mesmo espaço, mas não é devidamente atendido ou respeitado. De fato, eu que vos escrevo me sinto transtornado pelo despreparo da sociedade em relação a isso, das escolas que estudei e dos lugares que trabalhei e até daqui onde hoje trabalho.
Para parafrear, cito as palavras da colunista Andrea Ramal: “Para que a educação e o mercado de trabalho seja inclusivo de fato, é preciso adaptar a infraestrutura das empresas e escolas, e que estas precisam contar com recursos multifuncionais e serem planejadas com acessibilidade arquitetônica e tecnológica. Além disso, é necessário a capacitação dos ouvintes para aprimorar as práticas necessárias, de forma que o ambiente seja um ambiente de oportunidades reais para todos”.
Já em relação, a vagas e estações de trabalho para surdos, falamos com o jovem Enzo Matheus, de 20 anos, que fez a redação do ENEM ontem, no estado do Ceará. Segundo ele, é necessário não apenas ampliação de ofertas de empregos, mas também projetos sociais envolvendo os surdos e a Língua de Sinais, de modo que também que envolva toda a comunidade. Para ele seria uma forma de intensificar as relações interpessoais de surdos e ouvintes.
De fato, a principal mudança está na atitude da comunidade. Teremos escolas e empresas inclusivas quando todos os que fazem parte destes – acreditarem que no convívio com os “diferentes” poderemos aprender, nos tornamos pessoas melhores, mais sábias, tolerantes e talvez até capazes.
É juntos com os surdos e demais pessoas com deficiência, que iremos construir oportunidades, e assim uma nova sociedade mais justa possa começar.
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Concordo com você, acredito que a principal mudança está na sociedade em fazer diferente ,e proporcionar essa formação com dignidade a qualquer ser humano,não é por que são” surdos ” que merecem ser tratados diferentes e preciso igualdade e o principal respeito.
Eu acho que a surpresa quanto ao tema da redação do ENEM foi pelo fato de não ter caído nada sobre violência ou política, temas corriqueiros nessas provas. Quando você se vê diante de um assunto que a sociedade não discute, que faz de conta que não existe, que são as necessidades especiais de muitos cidadãos, os estudantes se pegam pensando, mas por que esse tema? Eu não me preparei para isso.
A questão das necessidades das pessoas portadoras de alguma deficiência, seja auditiva, seja motora, precisa muito ser mais discutida, mais defendida, só quem passa por problemas de limitação a certos ambientes,a alguns meios sociais, sabe a necessidade premente de mudanças no comportamento da sociedade para inclusão desses cidadãos.
Que venham mais redações como essa, mais discussões, para tentarmos, a sociedade, achar uma solução de inclusão de todos.
Certa vez eu comentei no meu trabalho que ia fazer um curso de libras on line, e alguns colegas riram, dizendo que estava sobrando tempo pra mim, que eu não tinha o que fazer, para fazer um curso desse. Fiquei muito chateada pela falta de respeito dessas pessoas com a matéria e porque significava um desprezo pela condição das pessoas com as quais eu gostaria de me comunicar através desse curso. Eu ainda não tive a oportunidade de fazer o curso, nem outros que me planejo há muito tempo, mas um dia terei tempo para cursá-lo e será um prazer abrir minha mente para um conhecimento necessário